🥕O que é que tsunamis e pandemias nos podem ensinar sobre dinheiro?
Descobre neste artigo como algumas das grandes calamidades históricas te podem ajudar a reflectir sobre como proteger melhor as tuas próprias finanças e o teu futuro.
Hoje vamos falar sobre algo que todos preferimos ignorar: desastres inesperados! 💥
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Sejamos sinceros: a maior parte das vezes não acordamos a pensar em tsunamis ou pandemias globais… Mas essa é precisamente a questão – as coisas que não prevemos são as que podem fazer verdadeiramente mossa nas nossas vidas, e particularmente nas nossas finanças. Mas claro… é tudo muito abstracto e hipotético… podemos deixar para depois… não nos vai acontecer a nós… e por aí fora.
Por isso, para ajudar a visualizar, vamos conhecer um par de histórias extremas e ver o que nos podem ensinar sobre proteger as nossas carteiras dos famosos Cisnes Negros de Nassim Nicholas Taleb1.
🌊 Uma pequena cidade no Japão, um grande muro e a força do mar
Primeiro, vamos até Fudai, uma pequena cidade no Japão. Um belo dia algures no anos 60, o presidente da câmara, Kotaku Wamura, decidiu que fixe, fixe, era fazer uma barreira de betão gigante que protegesse a cidade de um tsunami!2
E foi assim que, numa cidade entre dois montes e o mar, se começou por construir primeiro uma parede que protegesse os edifícios mais próximos da zona natural de inundações do que pudesse acontecer em condições relativamente normais, e depois, mais atrás, uma estrutura gigante e muito mais potente, com o duplo papel de 1) barragem para controlar o fluxo do rio para o mar e 2) muro de contenção para impedir que um tsunami entrasse e destruísse a cidade se um dia essa ameaça surgisse.
Caramba… um muro contra tsunamis? Porquê? Porque não conseguia esquecer a devastação a que assistiu em 1933, durante a sua juventude, quando um tsunami varreu a cidade.
Escusado será dizer que a opinião generalizada era que ele estava a desperdiçar dinheiro à grande… O muro era enorme (15 ou 16 metros de altura quando outras cidades estavam a fazer estruturas com menos de 10m), custava uma fortuna e muitos nunca tinham sequer visto um tsunami na vida.
É como dizia o Seinfeld ao Jimmy Fallon enquanto passeavam num carro dos anos 50: “Preocupado por não ter airbags? Nah… sejamos realistas… quantas vezes na vida precisaste de um airbag?!”. Pois…
Fast-forward para 2011, e BOOM: 45 anos depois do início daquele mega-projecto, que só ficou concluído em 1984, um mega tsunami atinge o Japão. Foi catastrófico. Mas Fudai? Na boa… Aquele muro massivo, que durante tanto tempo pareceu um monumento ao desperdício, salvou a cidade. Enquanto lugares próximos foram dizimados, em Fudai houve pequenas inundações e só se perdeu uma vida (a de um homem que decidiu ir ver como estava o seu barco quando acho que o pior já tinha passado).
O presidente Wamura, que até 1987 governou a cidade, infelizmente, já não estava lá para ver, mas o seu projeto “louco” mostrou a todos que às vezes ser um pouco paranóico compensa!
🎾 Um torneio de ténis, uma pandemia e um seguro exótico
Viajemos no tempo e no espaço, até ao início deste século em Inglaterra, mais propriamente até ao famoso Grand Slam de Wimbledon.
Há 20 anos atrás, na ressaca do primeiro surto de SARS de 2003, alguém na organização do torneio olhou para o que estava acontecer e pensou que um dia algo semelhante podia pôr em causa a sobrevivência do decano das competições de ténis. Um dia podia não ser um pequeno susto localizado, mas uma epidemia épica com repercussão global.
Como por lá não são de “casa roubada, trancas à porta”, passaram logo à acção e pediram a quem segurava o torneio para incluir uma cobertura de pandemias!3 Sim, muito antes de alguém estar a entrar em pânico com máscaras faciais e desinfetante para as mãos, Wimbledon decidiu que esse era um risco que não queriam correr.
Foi assim que começaram a pagar o seguro de algo que poucos seres humanos no planeta até Dezembro de 2019 achava que fosse um evento provável. E não pagaram pouco… Até 2020 a conta já ia em 34 milhões de dólares! “Para quê desperdiçar tanto dinheiro em algo tão improvável?”, ouvia-se em surdina entre os poucos que sabiam do tema.
Fast-forward para 2020, e… Olá, COVID-19! Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial não há Wimbledon!
No entanto, enquanto outros eventos tentavam perceber o que estava a acontecer e como iam sobreviver ao desastre financeiro tempo suficiente para eventualmente voltar um dia, em Wimbledon reinava a paz… Aquele seguro “sem propósito” pagou-lhes 141 milhões de dólares (mais de 4x o que tinham gasto) e cumpriu o seu papel: garantir que o torneio de ténis mais antigo do mundo se voltasse a realizar assim que a normalidade fosse reposta.
💡 E então?
Analogias feitas, o que podemos afinal retirar das histórias de uma cidade japonesa e de um torneio de ténis britânico que possamos transportar para o nosso dia-a-dia? Esperar o inesperado! É tudo uma questão de preparação para as coisas que não podemos prever. Pensa nisso: provavelmente não precisas de um muro gigante na tua vida, ou mesmo de um seguro contra pandemias, mas há coisas que podes fazer que vão aumentar a tua resiliência face aos cisnes negros que te aparecerão um dia à porta.
⚡️ Que entrem os seguros: quem precisa e do que precisa?
Vamos então falar pragmaticamente sobre seguros. Já sei que ninguém gosta do tema… eu também não gostava, e por isso (disclaimer) nos últimos anos decidi dedicar-me a eles e a tentar mudar a forma como os vemos e os percebemos.
Comecemos já pelos mais macabros: os seguros de vida. Essa coisa chata em que ninguém quer ter que pensar.
Se és jovem e solteiro, sem ninguém que dependa do teu rendimento, podes pensar, "Meh… passo…". E talvez possas de facto ignorá-lo por agora (embora, dica: quanto mais jovem e quanto menos seja evidente que precisas de um seguro, mais barato é fazê-lo e um seguro de vida pode ser um instrumento de poupança e investimento interessante. Mas deixemos isso para outro artigo).
Se tens pessoas que dependem de ti – como filhos, um parceiro que não está a trabalhar ou que tem um rendimento muito mais baixo do que o teu, ou mesmo se os teus pais ou outras pessoas dependem de alguma forma de ti – a coisa muda de figura e o seguro de vida deixa, em minha opinião, de ser um nice-to-have, para passar a ser um must-have no teu planeamento financeiro.
Pensa nele como a tua versão do muro do mar de Fudai, mas para as finanças da tua família. Pode parecer uma seca ou até um desperdício de recursos – afinal, vais estar a pagar por algo que esperas não precisar –, mas, se o inesperado acontecer, é life-changing para quem te é mais próximo. Desde deixar dívidas pagas, a pagar-te uma pensão que te pode permitir manter o rendimento em caso de vida mas em que não possas continuar a trabalhar, a adaptar a tua casa ou o teu carro se for o necessário, ou até a pagar no futuro coisas como a faculdade dos teus filhos, ou uma série de outras situações que queiras precaver.
É um instrumento financeiro poderoso e não é só para os ricos; pode aliás ser especialmente relevante se sentes que o que já construíste não é suficiente para assegurar o futuro de quem depende de ti caso lhes faltes.
E o que acabamos de ver sobre o seguro de vida, aplica-se a quase tudo o resto. Saúde, automóvel, casa, arrendamento… Pensa sempre no impensável.
O prédio que ardeu em Valência há umas semanas, que deixou famílias não só sem casa, como sem tudo o que lá estava dentro, é um risco que deves pensar cobrir com o seguro multirriscos do imóvel e respectivo recheio.
O seguro de saúde? Não é apenas uma forma de ir ao dentista pagando menos pela consulta (dica: se o teu objectivo é esse um cartão de saúde deve ser suficiente), mas sobretudo uma garantia de que, se um dia te acontece algo mais grave, podes tratar de ti ponderando vários factores importantes, mas sem que o custo das mesmas seja a variável mais relevante no teu processo de decisão.
No fundo a mensagem é: não devemos olhar para estes produtos como algo que somos obrigados a ter (como o seguro do carro, ou o de incêndios de casa, ou o de acidentes de trabalho, etc), mas sim como mais uma ferramenta a ter em conta no nosso planeamento financeiro, de acordo com a realidade e o contexto de cada um de nós.
Quando a vida te atira limões, vais querer fazer uma limonada (ou pelo menos estar alerta para te desviares e não levares com os limões na testa…).
🔎 Concluindo…
Os grandes acontecimentos, os eventos que mudam vidas e destroem patrimónios, apanham-nos geralmente de surpresa. São plot-twists. Não são itens que temos enumerados na nossa lista de to-dos.
Não se trata de tentar prever tudo o que pode correr mal na vida, mas sim de ir criando defesas para o inimaginável. Sem exageros e de forma proporcional ao nosso plano. Não tentes transformar hipóteses de catástrofe em esquemas de get-rich-quick. A protecção não é barata e não está pensada para funcionar assim, mas para te ajudar a não sofrer uma disrupção no teu modo de vida actual caso o pior aconteça.
Pensa sempre em poupar um pouco mais do que achas que precisas. Espera sempre que os teus investimentos te gerem um pouco menos de rendimento do que o que planeaste, e concentra-te em proteger-te de momentos “WTF?!” em vez de te obcecares em encontrar aquela cena que vai ser o teu euromilhões.
A melhor defesa contra um futuro que não podemos prever é estarmos preparados para reviravoltas que ninguém pode adivinhar. Não são as oportunidades perdidas que mais nos condicionarão no futuro, mas os golpes que não imaginámos que chegariam e para os quais não erguemos o nosso muro de Fudai.
Por isso, vamos ser como Wimbledon e preparar-nos para o que possa disromper o nosso nível de vida. Não sabemos quando, não sabemos como, nem sabemos o quê, mas há uma probabilidade bem diferente de zero de que um dia algo que não vimos chegar ponha em causa o que fizemos até aí… e quando isso acontecer, vamos querer ser quem ficou no chill e não quem ficou a pensar no que podia ter feito.
📝 Trabalho de casa
Não é preciso ir a correr ver tudo o que podes segurar, nem ficar a pensar no que já podias ter feito. Mas nunca é cedo para começar a pensar… na tua vida, na tua experiência passada, em como vês o teu futuro.
Reflete sobre estas questões:
Alguém depende de ti para viver confortavelmente?
Que bens de grande valor tens completamente desprotegidos?
Que confusão financeira deixarias para trás se algo inesperado acontecesse amanhã?
Começa por aí e vai iterando. Talvez faça sentido começar com uma apólice de seguro de vida básica. Talvez seja melhor fazer um seguro de inquilino se estás a arrendar um apartamento no qual o recheio foste tu que o compraste. Ou talvez até concluas que um fundo de emergência é suficiente e prioritário para já porque não tens grandes dependências.
Seja como for, começa já. E pensa nos seguros não só como um jogo de equilíbrio entre o valor do que podes proteger e a probabilidade de lhe acontecer algo negativo, mas sobretudo como aquele trunfo que podes jogar para garantir que um imprevisto não destrói a possibilidade de futuro que tanto planeaste.