đ„ CrĂ©dito ou nĂŁo, eis a questĂŁo.
Hoje vamos explorar uma ferramenta financeira que nos divide, que a meu ver pode ser Ăștil, mas que causa bastante discĂłrdia na sociedade atual - Essa ferramenta financeira Ă© o crĂ©dito.
Com alguma regularidade vemos nas notĂcias o problema inerente de pedir dinheiro emprestado, famĂlias sobre-endividadas que nĂŁo conseguem acompanhar as dĂvidas que contraĂram, famĂlias que tĂȘm que devolver as suas casas ao banco porque nĂŁo conseguem pagar as suas prestaçÔes e o grande impacto que esses eventos podem ter nas relaçÔes familiares. Ă tambĂ©m comum ler sobre o galopar da dĂvida pĂșblica como ferramenta fundamental para injetar investimento pĂșblico na economia de forma a acelerar o crescimento econĂłmico, mas que muitas vezes, por razĂ”es que nĂŁo entendemos, resulta em elevadas taxas de inflação onde os bancos centrais se veem obrigados a aumentar as taxas de juros.
Enfim, um tema complexo que cria um certo sentimento de angĂșstia e ao mesmo tempo sentimento de oportunidade e liberdade. De um lado temos vĂĄrios exemplos onde o crĂ©dito Ă© usado de forma consciente para criar valor e melhores condiçÔes sociais, por outro temos vĂĄrios exemplos onde o crĂ©dito Ă© usado para incentivar o consumo e que com pouco cuidado apenas injeta mais risco na sociedade.
Mas antes de nos debruçarmos sobre os diferentes exemplos Ă© necessĂĄrio ter uma pouco de contexto, e perceber que a nossa relação com o dinheiro Ă© muito subjetiva, o dinheiro Ă© muito recente no contexto da evolução da humanidade e como diz Morgan Housel - No Oneâs Crazy.
Segundo Housel, a minha e a tua experiĂȘncia com dinheiro tem, hipoteticamente, muito pouca representação no mundo real.
A dĂvida em cartĂŁo de crĂ©dito Ă© o maior medo dos millennials
Segundo a American Psychological Association o maior medo dos millennials é a divida em cartão de crédito e, curiosamente, não a morte. Isto apesar de 67% dos millennials não ter cartão crédito.
O tema do crĂ©dito, quer seja em cartĂŁo de crĂ©dito, crĂ©dito habitação ou crĂ©dito pessoal deixa o comum dos mortais em stress, Ă© uma decisĂŁo, que quando tem que ser tomada deve ser ponderada. No crĂ©dito habitação, por exemplo, Ă© obrigatĂłrio ter um perĂodo de reflexĂŁo.
Como é que esta ferramenta financeira (o crédito, estå claro) pode ser utilizada na esfera pessoal de forma ponderada?
O nosso amigo JoĂŁo Teixeira no seu artigo Afinal, o que Ă© o meu patrimĂłnio lĂquido e quanto vale introduz diferentes conceitos de finanças que sĂŁo muito importantes e que sempre me ajudaram a ancorar todas a minhas decisĂ”es financeiras:
Ativo - Lembram-se da Blimunda? Ela tinha uma casa, que ainda não tinha acabado de pagar, mas que tinha um certo valor de mercado. Tinha também um carro, um quadro e uma conta bancåria com algum dinheiro. Tudo isto representa o seu ativo total.
Passivo - Nem sempre é fåcil criar algum ativo sem ajuda do nosso amigo crédito e a nossa amiga Blimunda teve que recorrer a crédito para conseguir pagar todo o seu ativo. O passivo representa o dinheiro que deves.
PatrimĂłnio LĂquido - Representa quanto Ă© que tens, ou melhor, quanto Ă© que vales (Ativo - Passivo). Como vimos a nossa amiga Blimunda atĂ© tinha uma boa posição financeira no momento em que liquidasse todo o seu passivo (crĂ©dito).
Para mim este exemplo da Blimunda representa um uso cuidado e bastante inteligente do crédito, não obstante é necessårio fazer zoom-in à situação da nossa amiga, mais concretamente tentar perceber um pouco melhor qual a sua taxa de esforço e os riscos que ela pode enfrentar.
SerĂĄ que a Blimunda consegue dormir Ă noite?
Para perceber melhor essa questĂŁo temos que ir a contas:
Rendimento mensal lĂquido: âŹâ2.000
CrĂ©dito habitação: âŹâ700
CrĂ©dito automĂłvel: âŹâ100
CartĂŁo de crĂ©dito: âŹâ250
Taxa de esforço1 = 52,50%
Taxa de esforço: Proporção do rendimento de um agregado familiar afecto ao pagamento de um empréstimo. Pretende medir a capacidade do agregado em cumprir as responsabilidades assumidas com um empréstimo.
Banco de Portugal
Todas estes valores são mensais e representam a realidade do agregado familiar da nossa amiga Blimunda visto que ela é solteira. Assim sendo, a taxa de esforço da nossa amiga é de 52,50%, e este valor, segundo o Banco de Portugal, jå é um pouco elevado. (Neste artigo não pretendemos fazer uma anålise detalhada do processo de crédito, mas sim ter uma ideia do que poderå acontecer se as condiçÔes de mercado se alterarem e as implicaçÔes para a situação da nossa amiga)
A nossa amiga estĂĄ contente com a sua situação, metade do seu rendimento serve para pagar as suas dĂvidas e ela sabe que ao pagar a sua casa estĂĄ a criar um ativo. Ă um esforço que ela quer fazer porque sabe que ao alugar casa iria pagar uma renda semelhante e nĂŁo estaria a contribuir para o aumento dos seus ativos.
A Blimunda estå feliz com a sua utilização do crédito e consegue dormir bem à noite mesmo com uma taxa de esforço considerada elevada pelo Banco de Portugal.
TPC: VĂĄ, agora Ă© a tua vez, pega no teu abaco đ§źÂ preferido e tenta perceber qual Ă© a tua taxa de esforço:
Faz um levantamento dos teus rendimentos lĂquidos (e do teu agregado familiar);
Lista os teus créditos existentes, bem como os seus valores;
Soma os créditos;
Agora divide o total dos crĂ©ditos pela total do rendimento lĂquido;
Para tornarmos as coisas mais simples para todos criĂĄmos uma pequena ferramenta para este exercĂcio.
AlteraçÔes das taxas de juro deixam a Blimunda com insónias
A Blimunda Ă© sĂ©ria, trabalhadora e a vida corre-lhe bem. Ela controla bastante bem as suas despesas, paga as suas dĂvidas a tempo e horas e dessa forma vai contribuindo para o crescer dos seus ativos.
Mas a realidade econĂłmica muda, as taxas de juros aumentam de forma exponencial e coincidentemente o seu crĂ©dito habitação, que tinha a uma taxa fixa, nĂŁo Ă© renovado, ficando exposto a uma taxa variĂĄvel. O resultado Ă© terrĂvel - a prestação do crĂ©dito habitação quase que dobra.
Num cenĂĄrio em que todas as outras despesas se mantĂȘm constantes a taxa de esforço da Blimunda torna-se muito elevada, ora vejamos:
Rendimento mensal lĂquido: âŹâ2.000
CrĂ©dito habitação (depois da alteração da euribor): âŹâ1200
CrĂ©dito automĂłvel: âŹâ100
CartĂŁo de crĂ©dito: âŹâ250
Taxa de esforço = 77,5%
Toda esta situação deixa a Blimunda com insĂłnias, ela tal como os nossos amigos do outro lado do atlĂąntico, teme a dĂvida mais do que a prĂłpria morte.
à por situaçÔes como esta, que eu, que estou a comprar uma casa, e que penso que estou a efetivamente a fazer crescer os meus ativos olho para o artigo do nosso amigo Francisco - A verdadeira diferença entre quem se torna rico e quem permanece pobre - com muita curiosidade. A tese principal deste artigo é simples, tudo o que gera um fluxo positivo de dinheiro é considerado um ativo, e por outro lado, tudo o que gera um fluxo negativo de dinheiro é um passivo - Os ricos focam-se mais nos ativos, nos positivos de dinheiro e estão sempre a otimizar para a maximização dos seus ativos.
Nada Ă© tĂŁo bom ou tĂŁo mau quanto parece
A nossa amiga Blimunda, antes desta alteração das suas condiçÔes de crédito pensava que estava a tomar a melhor decisão da sua vida, estava a construir património e conseguia dormir tranquilamente. A ideia era simples, a prestação que estava a pagar no seu crédito habitação servia para pagar a casa onde estava a viver, e essa mesma casa iria ter um certo valor, e caso ela necessitasse poderia vender. No fundo funcionava como uma forma de poupança. A vida corria-lhe bem e a Blimunda dormia profundamente.
Mas nada é tão bom quanto parece. Escondido por detrås do plano de poupanças da nossa amiga existe um risco muito grande. Melhor, existem vårios riscos, a Blimunda poderia ficar sem trabalho, a sua casa poderia sofrer uma catåstrofe natural ou as condiçÔes económicas poderiam mudar totalmente de forma a impactar o valor da sua prestação.
Agora com uma taxa de esforço de 77,5% a Blimunda nĂŁo dorme ao ser confrontada com o seu pior inimigo. Ela pode nĂŁo conseguir arranjar forma de pagar a prestação da sua casa. A ideia de construir patrimĂłnio começa a desmoronar-se. Sem grande alternativa a nossa amiga vĂȘ-se obrigada a alugar o quarto de sua casa, esta opção Ă© na sua cabeça um Ășltimo recurso para conseguir manter o seu patrimĂłnio.
đĄĂ importante notar que existem alternativas para minimizar a subida da prestação do crĂ©dito habitação:
Renegociação de dĂvida
Aumento do prazo
Amortização antecipada
Consolidação do crédito
Nova fonte de receita
Ao fazer uma pequena pesquisa online a Blimunda percebe que o quarto de sua casa pode ser alugado por cerca de ⏠700 e de repente nada é tão mau quanto parece. Antes pelo contrårio, a Blimunda é capaz de gerar uma nova fonte de rendimento com o seu ativo. Até fez as pazes com o crédito no fim da noite.*
Artigos do O Amor Financeiro đ„ mencionados e que sĂŁo bastante relevantes:
Alguns livros e artigos que podem ajudar-te a explorar melhor este tema
Qual Ă© a taxa de esforço mĂĄxima autorizada pelo banco de Portugal? NĂŁo hĂĄ qualquer taxa de esforço mĂĄxima. No entanto, o Banco de Portugal recomenda que a taxa de esforço dos clientes nĂŁo supere os 35%. Ou seja, nĂŁo deve gastar mais do que â do seu salĂĄrio com prestaçÔes de crĂ©dito. (comparamais.pt)
Obrigada pela ferramenta de calcular a taxa de esforço (percebi que tenho 26% de taxa de esforço, o que é bom por agora!)